*Vicente Loureiro
Originalmente publicado em https://novaiguassuonline.com.br/e-se-tivesse-acontecido-aqui/
Essa pergunta me surgiu desde que as primeiras imagens das enchentes no Rio Grande do Sul começarem a circular. Diante de tanta devastação, com vidas interrompidas bruscamente e perdas materiais incalculáveis, além dos colapsos na infraestrutura e serviços públicos essenciais aumentando ainda mais o sofrimento da população, o que fazer? E se uma catástrofe semelhante atingisse a baixada fluminense, o que aconteceria?
O professor Paulo Canedo, do Laboratório de Hidrologia da UFRJ, logo me alertou: seriam chuvas muito pesadas se as que devastaram o sul do país caíssem por aqui. Mas não se pode comparar apenas a quantidade de milímetros despejados sobre territórios tão distintos. Do ponto de vista geomorfológico e hídrico, são regiões incomparáveis. Lá, segundo ele, as bacias dos rios são grandes e as águas levam semanas para chegar ao mar. Por aqui, na baixada, elas levam apenas algumas horas para escoarem. Isso resulta em diferenças significativas nas causas das inundações e na busca por soluções para tentar controlá-las.
Ele ainda afirmou que “a única semelhança entre as duas regiões, digna de ser enfatizada, é a falta de manutenção nas infraestruturas hidráulicas de defesa”. Tanto lá quanto aqui, as autoridades agiram de modo irresponsável, não cuidando das comportas de contenção do Rio Guaíba em Porto Alegre, e aqui, em Duque de Caxias, permitindo a ocupação de áreas destinadas a reservatórios de águas pluviais, chamados polders, localizados às margens do rio Sarapuí.
Mesmo sem ter enfrentado eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, a Baixada Fluminense tem lidado com enchentes regulares, afetando diretamente cerca de 360 mil domicílios em áreas classificadas como de alto risco de inundação. Principalmente aqueles instalados nas bacias dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí. Imaginar reassentar tantos moradores seria como mudar de lugar uma cidade de 1 milhão de habitantes. Uma tarefa gigantesca, praticamente inviável.
Considerando que as mudanças climáticas estão em curso e se tornam cada vez mais visíveis e palpáveis os danos por ela provocado, o que deve e pode ser feito para minimizá-los? Principalmente para evitar mortes desnecessárias, reduzir perdas materiais e danos à infraestrutura das cidades. Recomenda-se agir em duas frentes simultaneamente. Aumentar a capacidade hidráulica dos rios, proporcionando um escoamento mais rápido das águas, e adotar medidas de retenção para regular a vazão e permitir, quando possível, o escoamento adequado. Parecem medidas contraditórias, mas são complementares.
Isso implica em ações de limpeza e desassoreamento dos rios, além de manutenção das infraestruturas hidráulicas existentes, entre outras intervenções preventivas. Mas isso não é suficiente. Deve-se estabelecer uma política de proteção civil e social eficaz. Capacitar as defesas civis locais, estabelecer uma plataforma comum, nos três níveis de governo, para a redução e gestão compartilhada dos riscos de desastres ambientais e climáticos. Isso inclui criar um sistema de assistência humanitária permanente e bem provisionado, melhorar as condições de monitoramento já existentes e buscar formas de cooperação intra-regional nos comitês de bacias dos rios que cortam a região.
É uma missão difícil, mas muito mais factível do que reconstruir um estado, como estamos vendo acontecer no Rio Grande.
*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade.